Marisa Marisa

mesmo antes da festa.

Vão começar a chegar em trinta minutos. Quinze, se algum dos casais quiser ser aquele que se acha muito próximo dos anfitriões e resolver vir mais cedo, para «ajudar a preparar as coisas».

Não lhe devia ter dito isto, eu sei. Escapou-me.

Vão começar a chegar em trinta minutos. Quinze, se algum dos casais quiser ser aquele que se acha muito próximo dos anfitriões e resolver vir mais cedo, para «ajudar a preparar as coisas».

Não lhe devia ter dito isto, eu sei. Escapou-me. Acho que foi o stress da festa. Ele olha para mim como uma estátua. Os olhos não piscam. São duas pedras frias que seguram os meus, que estão quentes e húmidos. 

Antes de os casais começarem a chegar, ainda tenho de dar mais uma volta às divisões, especialmente às casas de banho, ver se todas têm papel suficiente. E ver dentro dos armários, se está tudo bem arrumado e organizado. Acho que há pessoas que gostam de abrir os armários. Eu não, nunca fiz isso, mas, ainda assim, é melhor prevenir.

Ele continua a olhar para mim. A incredibilidade passou, parece estar a decidir o que fazer. Os olhos ainda me fixam, mas já piscam. A boca está mais lisa, os lábios estão para dentro. Acho que ele os está a chupar.

A comida deve ser suficiente. Somos doze pessoas, seis casais. Felizmente, ninguém vai trazer as crianças. Não tenho cadeiras próprias, nem loiça de plástico. Se as trouxessem, ia ter de comprar coisas que nunca mais ia utilizar. 

Ele olha para o relógio. Será que está a ver o tempo que falta para a festa? Não sei se ele sabe a que horas é. Sou eu que trato de tudo. Olha para mim novamente, de olhos mais suaves. Os cantos da boca começam a subir. 

Acho que não me esqueci de nada. Está bom tempo, o melhor é ir pôr umas cadeiras lá fora para o caso de alguém se querer sentar a apanhar ar. E um cinzeiro, há sempre um marido que ainda não deixou de fumar. É capaz de não fazer grande diferença, devem deixar as beatas na relva. Espero que não as atirem para o canteiro das flores. 

Ele agarra-me no pulso. Eu sabia que não lhe devia ter dito isto agora, tão perto da festa. Está mais irritado por isso. Porque me esqueci de novo. Puxa-me para o quarto. Os olhos estão frios outra vez, mas vejo a raiva a aparecer.

Não sei quanto tempo passou. Na melhor das hipóteses, devemos ter uns vinte e cinco minutos antes de os convidados chegarem. Dez, na pior das hipóteses. 

Ele fecha a porta do quarto e larga-me o pulso. Ainda não sabe o que fazer. Eu espero. Os lábios voltaram a ficar finos. Olha para a cama. Agarra-me no pulso. Empurra-me para cima da colcha às flores. Vai às gavetas dele. Traz uma corda. É grossa. Centra-me na cama, de barriga para cima, abre-me as pernas e os braços, ata-os aos quatro pilares da cama. As cordas, mais uma vez, estão demasiado apertadas, mas não digo nada. Não sei quanto tempo me vai deixar aqui. Não sei se vou conseguir ir à festa. As cordas devem deixar marcas, mas tenho o macacão preto vestido, não se vão ver. 

— Tens de desligar o forno daqui a uns dez minutos, digo-lhe. 

Não quero que a comida queime.

(publicado originalmente na Fábrica do Terror)

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Marisa Marisa

completa.

Estou sentada, imóvel na cadeira. As costas estão bem encostadas e os pés estão assentes no chão. Mas a minha cabeça balança. Lá dentro, está um mar.

Estou sentada, imóvel na cadeira. As costas estão bem encostadas e os pés estão assentes no chão. Mas a minha cabeça balança. Lá dentro, está um mar. Com ondas violentas que rebentam na esquerda e depois na direita. O vento enche-me os ouvidos. Vem de dentro e, tal como as ondas, passa de um lado para o outro. O sal faz-me arder os olhos e deles caem lágrimas, mas eu não sei se são minhas ou se são ondas.

Fecho os olhos, e posso, finalmente, olhar o mar.

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